26 fevereiro, 2007



HÁ UMA CONTRACULTURA?

De um dos cadernos de 2001: uma conferência-debate, no âmbito da «Porto 2001», sobre «Cultura, contracultura, anticultura». Uma das teses de que parti foi a de que, no momento actual (e diferentemente da época áurea dos Modernismos e do seu ímpeto contracultural e mesmo anticultural, informado pelo niilismo), a disseminação dos núcleos de contracultura leva a que tudo seja, ou possa ser, cultura, e tudo queira ser contracultura:


... A nossa cultura dita pós-moderna – que se apresenta apenas como 'situação' cultural, já que não é possível falar de uma 'condição' cultural do nosso tempo –, pode, apesar de tudo, ser referida a um paradoxo e a uma ambição que lhe dão rosto. O paradoxo: tudo quer ser centro, sendo, ao mesmo tempo, margem, radicalismo, protesto, 'diferença', extra-vagância. Isto deve-se provavelmente ao facto de o centro, hoje, ser o de um universo imaterial como o dos 'media', em especial a televisão, cuja lógica é a de ir sempre mais longe e de não cair numa normalidade mais ou menos morna. Com isto estamos já na ambição maior da nossa cultura, que é precisamente a de uma radicalização a qualquer preço. O Modernismo foi, neste aspecto, uma cultura da rotura em profundidade, que virou do avesso os paradigmas realista e positivista; o pós-moderno é uma cultura do radical em extensão, e também de uma convivência de padrões culturais (pré-modernos, modernos e pós-modernos), numa promiscuidade sem complexos. [...] O que hoje se radicaliza é qualquer coisa que o Modernismo tinha rasurado – o Eu, o sujeito · e que agora regressa para se expor sem limites. O resultado é um enorme tédio, porque não se pode ir mais longe do que o corpo, e porque a banalização do gesto pretensamentge extremo nos deixa cada vez mais indiferentes. Perante uma situação em que tudo quer ser cada vez mais ex-cêntrico e ao mesmo tempo ocupar o centro, perguntamo-nos: que lugar resta para a cultura (da substância, da ideia)? Um lugar precário, já que a nossa cultura do espectáculo, da moda à política e ao mundo literário, não é crítica, mas performativa. A nossa contemporaneidade não tem um projecto, tem apenas 'estaleiros', é uma 'cultura de cidadelas', que vive com a crise e a cultiva. Uma cultura 'débil', sem frentes, apenas com ofertas concorrentes.



O ensaio completo pode ler-se no meu livro A Espiral Vertiginosa. Ensaios sobre a cultura contempoânea (Livros Cotovia, 2001)

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