03 janeiro, 2007


NÃO EXISTE HISTÓRIA DA ARTE

Benjamin escreve ao teólogo Florens Christian Rang, em carta de 9 de Dezembro de 1923: «cheguei a uma conclusão: não existe história da arte». A afirmação, aparentemente polémica, explica-se: as obras, cada obra em si, são essencialmente a-históricas, vivem num presente contínuo e diverso. É a visão neo-kantiana, essencialista, comum a muitos no princípio do século XX. Curiosamente, as invectivas de Benjamin contra o movimento histórico do «Expressionismo» cairiam neste ponto pela base: o mesmo ponto de vista domina o pensamento estético produzido por muitos «expressionistas», de Kandinsky a Paul Hatvani e ao círculo da revista Der Sturm, em Berlim, já que todos buscam a obra e o «elementar» nela (mas sabemos que o «Expressionismo» para Benjamin era outro, patético e neo-barroco, idealista sem o lastro metafísico de uma sólida doutrina das ideias). Isto só acontece em Benjamin no período que medeia entre os ensaios sobre a linguagem e Origem do Drama Trágico Alemão, imediatamente anterior ao encontro, decisivo, com a revolucionária Asja Lacis em Capri.

A partir daí, as coisas darão uma volta de 180 graus, e nos anos trinta até mais: vejam-se os ensaios estéticos dessa altura, os receios de um Benjamin radical por parte do amigo Gerhard Scholem, e até de Adorno, e todo o projecto das «Passagens», com as «Teses sobre o conceito da História» a servir-lhe de pórtico. Aí, é a história que determina a vida das obras. Antes, era a «interpretação» – um conceito e uma prática que haviam de ter uma longa história no século XX, dos formalistas russos e do «New Criticism» a Pfeiffer, Kayser e à hermenêutica contemporânea.

«As obras», diz Benjamin, «não têm nada que as ligue, ao mesmo tempo, no plano extensivo [histórico-temporal] e essencial», i.e.: não se pode «historiar» (fazer a história) das essências. Mas, digo eu, pode-se e deve-se historizar as «essências». Não, naturalmente, para fazer a história externa de estilos e formas (o que seria impossível, tratando-se de «essências»), mas para mostrar a historicidade imanente da obra de arte. Foi o que veio a fazer Adorno na Teoria Estética. Nesta carta fundamental, Benjamin avança ainda: as obras de arte são (como as) ideias, mónadas na noite da ocultação e da intensidade. É essa noite que importa salvar – pela interpretação. A monadologia (crítica, porque «a crítica é a representação de uma ideia» que aceita o risco da «mortificação das obras») vem substituir a história da arte, a descontinuidade de núcleos «essenciais» (por analogia, os números em Leibniz) toma o lugar das cadeias arbitrárias de traços meramente acidentais das obras no tempo.

O desafio é interessante e paradoxal, quase a quadratura do círculo: tentar fazer uma história (estabelecer uma cadeia) daquilo que é único, irredutível a «relações», isolado e «sem janelas» (como sugere Adorno sobre a obra-mónada). i.e., centrado sobre si próprio: uma onto-história da arte. Tarefa impossível, a não ser através do salto conceptual operado por uma «doutrina das ideias» _______ que, é claro, destila e elimina da obra as suas dimensões de real (empírico, histórico, social).

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