06 dezembro, 2006
QUEM SOMOS? QUEM NOS FAZ?
Dei há anos uma entrevista à TSF, daquelas em que se espera que ponhamos a nu a nossa vida, não a privada, mas a interior, intelectual, mais ou menos pública. O jornalista pedia-me que falasse de mim. Sou péssimo observador de mim próprio, não costumo parar muito para olhar para trás e ver o que fiz ou deixei de fazer. Acredito que muito do que se faz acontece por força das circunstâncias e dos apelos das nossas vidas. E foi isso que disse: o que fiz, o que sou, o que li, são resultado disso – dos outros e das contingências. Algumas notas neste caderno dão conta dessa conversa:
E eu próprio, que papel assumo no meio dessa história? Fui um gestor, talvez nem sempre hábil, mas empenhado, desses chamamentos. Definir objectivos estreitos, saber a cada momento o que se quer ou julga querer não deixa qualquer margem de imprevisibilidade a uma vida. Há uma longa balada de Brecht que ensina isto: a «Lenda da origem do Livro do Taoteking quando Laotse ia a caminho da emigração». O sábio chinês dita o célebre Livro do Caminho como resposta às perguntas do guarda de fronteira. A sabedoria – com as devidas distâncias – nasce porque alguém quer saber.
Perguntava-me ainda o jornalista – pergunta sacramental – pelos «livros da minha vida». Pergunta sem resposta para quem lê em permanência e se transforma permanentemente com o que lê. Um livro só raramente muda a vida de uma pessoa. Muitos sim, e no tempo, na duração de uma vida. Há demasiados livros para que nos possamos aperceber do que cada um deles nos deu. Não tenho livro de cabeceira. Se alguns livros nos marcam, esses são muitas vezes os da adolescência e juventude, quando lemos mais abertos e disponíveis, sem rede. Depois, ganhamos cada vez mais defesas e aprendemos cada vez mais truques. Nem sempre são os «melhores» os que ficam, são os inaugurais, que nos marcam e revelam a nós próprios. Mais tarde, somos nós que marcamos os livros, quero dizer, usamo-los, reduzimo-los à dimensão dos nossos interesses, metemos neles os nossos fantasmas já instalados (muitos dos quais recebemos dos livros!), consolamo-nos com eles, revemo-nos neles. É um pouco como na relação com as pessoas: somos moldados cedo, por pais, professores, padres, Mocidade Portuguesa ou Juventude Comunista, Escuteiros... Depois, a experiência abre um leque de possibilidades insuspeitadas, como acontece com amores e paixões, e deixamos de saber exactamente como as coisas se passam: há-os à primeira vista, de combustão em lume brando, os fogos de palha (que ateiam depressa e ardem pouco), as grandes pedradas, os de pedra e cal...
Foi disto que falei nessa entrevista, antes de me obrigarem a escolher livros e autores.
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