07 dezembro, 2006
PRAZERES
Estamos em 1999. Por esses anos, e até há pouco tempo, planeei e fiz, com Casimiro de Brito, muitos «Jornais Falados da Actualidade Literária» do PEN Clube, no Acarte da Fundação Gulbenkian e por esse país fora. Aquele ano fechou com uma sessão que intitulei simplesmente «Prazeres». O tema era e continua a ser actual. Vivemos numa época de hedonismo, num tempo que esqueceu o lado sério e mesmo trágico de décadas de história infeliz da Europa, um tempo que procura gostar de si, viver-se, fruir-se – apesar dos pesadelos e dos desassossegos, da Sida e das guerras fomentadas, da fome no mundo. Gozamos os nossos prazeres, talvez merecidos depois de décadas de ditaduras e guerras, à custa da miséria de outros mundos. Mas o prazer, os prazeres do corpo e os do espírito, são qualquer coisa de inalienável na natureza humana; nisto, somos e sempre fomos incorrigíveis, e é bom que assim seja, sobretudo se isso acontecer «com alguma espontaneidade, sem barulho, sem ostentação», como escrevia Alfredo Saramago num dos livros então apresentados (Os Prazeres de Alfredo Saramago, da Assírio & Alvim).
Das minhas notas saltam algumas que colocam questões que continuam vivas. Continuamos numa época de livros de culto e de fetichismo. Os vinhos, a gastronomia, os charutos, os carros... Cresceu nos últimos anos – porquê? Porque precisamos de contrapôr o culto do «autêntico» à descaracterização trazida pela globalização? Porque não sabemos o que fazer com o nosso tempo e o nosso tédio, e nos voltamos para certos prazeres radicais, estranhos prazeres que moem, são perigosos e saem caros?
Os prazeres arrumam-se, como sugeria Alfredo Saramago? Há necessidade disso? Arrumá-los é atribuir-lhes um lugar próprio nas nossas vidas? Somos nós a descobrir os prazeres, ou são eles que nos descobrem? Por onde passa a linha divisória entre os prazeres e as modas? Há prazeres que não são certamente modas, entre eles os da mesa, tão generosamente presentes na bela edição A Viagem dos Sabores, viagem alargada no espaço (o orbe inteiro) e do tempo, cobrindo aspectos práticos e simbólicos da comida, percorrendo os caminhos do interdito, do permitido e do culturalmente comum nessa arte da cozinha que é também uma leitura do mundo. E que convoca, como talvez nenhuma outra, os instrumentos do prazer que são os sentidos (todos), estabelecendo correspondências entre o físico (o corpo) e o cósmico (deste e de outros prazeres e artes fala também, em tom de surdina desolada crescendo progressivamente para o jubiloso, o texto que fecha o meu livro acabado de sair, com o título A Escala do Meu Mundo, na Assírio & Alvim).
Depois, há entre os prazeres inatos os do erotismo e da maledicência, pulsões das mais fortes da humanidade. E por fim os gostos – esses discutem-se, mas essa seria uma longa história, pelo que encerro as reminiscências por aqui...
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