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Estou em Santa Maria do Bouro. Cada pedra tem aqui um especial significado e conta a história de um processo anti-alegórico. Na alegoria, e na sua forma barroca, a ruína é emblema – duplo emblema – dos modos de actuação do tempo e do caminho para a morte: o de uma «alma» (de uma «criatura») e o da decadência da História. O Bouro – que não é um mosteiro restaurado, mas uma pousada feita com as pedras de um mosteiro, explica o arquitecto Souto Moura – era uma ruína, e as suas pedras transformaram-se num lugar de beleza e de vida.
Em Santa Maria do Bouro há muitas portas, por detrás das quais só existirá, na maior parte dos casos, ilusão de sentido; mas «este mundo não tem portas, / nem uma chave escondida», e o sentido vem ter connosco «por trás de tudo o que importa» (diz a canção de Filipa Pais).
A alegoria, essa, diz Benjamin, «coloca-se declaradamente para lá da beleza. As alegorias são, no reino dos pensamentos, o que as ruínas são no reino das coisas...» Santa Maria do Bouro, onde parece que tudo está bem, nada tem de alegórico: falta-lhe a discrepância disjuntiva, o choque entre as partes constitutivas (que a vida está sempre a trazer-nos). Tudo ali se conjuga, talvez bem de mais. Este palco é o reverso do caos, da vida. Cada passo que nele se dá é um gesto planeado por alguém, contado, contabilizado por uma «gerência», repetido por muitos robots...
