13 novembro, 2006

ORIGEM (2)
______________________________________________________

Um dos cinco volumes de Le dernier royaume, de Pascal Quignard (Sur le jadis) é particularmente interessante para o entendimento da noção benjaminiana de Ursprung (Origem). Quignard – podem ler-se aqui e aqui dois artigos sobre este autor de culto – acha que a «mitologia das origens», que me parece assumir o papel de obsessão ou superstição na modernidade estética e filosófica, é uma «invenção natural».


Pascal Quignard

Todo o regressus ad uterum o seria, para este fascinante autor. O que o torna interessante no paralelo com Benjamin é a sua ideia de que a matéria do passado se abre num grande leque de possibilidades para o sujeito do presente que faz desse passado um objecto de fruição. É central, aqui, a distinção entre «le jadis» e «le passé». Quignard escreve, e podia ser Benjamin:
Seul le jadis broie [tritura] le passé et rend sa matière à la liquidité originaire [...] À partir du jadis c'est l'origine qui fait avalanche.


Das origens vem uma avalancha de luz... (J.B.)

Como para o Benjamin anti-historicista, para Quignard o passado não é o que foi tal como foi. É preciso distinguir: Il faut distinguer jadis, naguère, début, commencement, origine, naissance. Le début c'est le coïte [coito]. Ce qui précède le début, tel est le jadis. Mas a expressão que mais me agrada neste livro e neste contexto é frapper d'origine. Poderia dizer-se que os protagonistas do drama barroco, ao abandonarem a sua condição histórica (presente) para se entregarem à sua condição natural e criatural, são «frappés d'origine», como as espécies que regressam ao lugar de origem para aí se reproduzirem – e muitas vezes aí morrerem.



Quignard iluminando Benjamin (ou vice-versa?):


Que azul vem do reino da sombra? (J. B.)

O outrora é um primum tempus quando regressa. O passado é edificado sobre cada vaga do tempo que avança. O passado de que dispõem os contemporâneos não é o mesmo de cada vez que sobe a partir do reino da sombra.



Do terceiro volume da «pentalogia» de Quignard, Abîmes, retenho ainda um comentário sobre o sentido do termo latino para «origem», origo:
«Origo é um termo da astronomia antiga. O latim origo vem de oriri. Oriri designava o astro a nascer [...] O lugar de oriri chama-se Oriente.»


Foto: J. B.

O drama do Barroco que interessa a Benjamin, que não é «tragédia», porque nele o herói não caminha para a queda num presente, mas regressa a si no seu passado eterno como natureza, ognora, nos seus assuntos, quer a matéria mitológica antiga, quer a política sua contemporânea (pelo menos de forma explícita), para escolher quase sempre dramas de assunto oriental. Certamente não só pelo gosto do exotismo.

Sem comentários: