28 novembro, 2006



Desde há muitos anos, mais exactamente desde 1994, quando tive de tomar algumas notas para um depoimento destinado a um documentário sobre o poeta Pedro Tamen, que a escrita do lápis encontrou a sua casa natural em pequenos cadernos de formato A6 – para caberem no bolso e substituirem, sozinhos, toda a parafernália de folhas A4, livros e outros papéis em conferências, aulas, intervenções públicas. São sempre diferentes por fora e sempre semelhantes por dentro. A casca varia consoante o tipo de carnet, os lugares de onde vêm ou o rosto que eu próprio lhes dou. O miolo, ora se faz de notas ou esboços escritos à mão, ou acolhe texto mais pronto, saído do computador.
Vou começar a desenterrar esses caderninhos onde está muito do que tenho pensado, escrito e dito em todos estes anos. Dou a ver o retrato da capa e respigo do miolo alguma ideia que o filtro do tempo faça voltar a brilhar. Apanho pequenas pipetas, não de ouro, mas do barro de que se faz o pensar quando nos brota do corpo.

PLOTINO: DO BELO

Começo com um caderno que me chegou às mãos já escrito
(e com um marcador arrendado lá dentro), e a que eu acrescentei escrita de minha lavra. São dois capítulos das Eneiades de Plotino sobre o Belo, de onde retenho algumas «imagens de pensamento» em que ia cruzando o que lia com os meus próprios comentários à margem.


_______ A beleza é atributo de todos os sentidos e, no fundo, de tudo o que é humano. Mas: «haverá uma beleza anterior a esta?» – Há. Pode ser a da «alma».
_______ A beleza clássica, feita de simetria e medida, não é a medida do belo. O ser belo é híbrido e «composto», e a beleza actua como resultado de um desequilíbrio, e só nasce de uma relação – é uma composição dinâmica. [Este é claramente um momento moderno do pensamento de Plotino].
_______ Existe uma «outra coisa» do Belo, para lá da forma: «a beleza que existe nas proporções é outra coisa, diferente delas; e é devido a essa outra coisa que um rosto bem proporcionado é belo». [A isso chama Maria Gabriela Llansol um «belo mais belo», presente por exemplo numa figura a que dá o nome de «a objecto de beleza»].
_______ A categoria da relação é constitutiva do belo. Por isso, a beleza que se manifesta no plano do sensível é sempre incompleta (precisa do complemento da ideia, ou da «essência real» da alma: isto é Platão em Plotino!). Aqui pensei: então a anamnese da alma em relação a si própria gera o belo mais belo que nasce da relação corpo-alma?
_______ E o que é então o belo? É a percepção do UNO emergindo do caos dos fenómenos.
_______ Esta interacção entre partes e todo, forma e ideia, é própria da natureza e da arte (Goethe confirma).
_______ Outros dirão: em ambas se manifesta «uma razão divina». Plotino escreve: «A beleza do corpo provém da sua participação numa razão vinda dos deuses.»
_______ Concluo: A BELEZA É UMA EPIFANIA!

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