28 novembro, 2006


A ACÉDIA

A acédia: «o conceito mais propriamente teológico do melancólico», a «indolência do coração», como a define Benjamin. O pecado capital da acédia medieval, a doença monacal por excelência, paganizou-se nos séculos XVI e XVII com a recuperação da medicina hipocrática e do sol negro da mitologia saturnina e da astrologia árabe. É inevitável o paralelo com a sua secularização posterior, primeiro romântica, assumindo as formas do Weltschmerz (a «dor do mundo»), e depois do spleen baudelairiano e decadente.
Os prolongamentos destas formas de melancolia moderna revelam-se também sob a forma de um amolecimento nostálgico e sentimental na poesia portuguesa do fim do último século e da viragem do milénio. Sobre isto disse o que tinha a dizer no ensaio «Sob o signo de Saturno» (vd. A Palavra Transversal, Cotovia, 1996).


J. B., Diário para W.B.

Hoje, reconheço que o diagnóstico pela via do filão melancólico – que outros, aliás, continuaram: veja-se Jorge Reis-Sá e o prefácio à sua antologia Anos 90 e Agora – era parcial, mas não de todo falhado. Uma certa lassidão, aqui e ali mesmo frouxidão, tinge ainda de tons vários, mais ou menos pessoais, mais ou menos culturais, mais ou menos sociais, a poesia de hoje.
Mas há também os desencantados a frio, os irreverentes da paródia mais ou menos contundente, mais ou menos desarmante, e alguns «viscerais». Parte deles já aí estavam há dez anos. Mas a acédia de hoje, mais soft e mais encenada, já nem é aquela «estranha ameaça ocidental» de que falava Graça Moura. Não ameaça nem dói. E parece nunca esvaziar tão radicalmente o mundo como a que habita no olhar das figuras do drama trágico-lutuoso do Barroco.

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