AINDA O FRAGMENTO...
A configuração dupla do fragmento, como parte de uma totalidade fechada (mas «perdida»), sendo ele mesmo um todo aberto (e disponível) sugere imediatamente uma relação com a categoria, sui generis e de largas implicações, da origem em Benjamin.
No Prólogo de Origem do Drama Trágico Alemão há algumas frases lapidares (que serão retomadas e desenvolvidas nas «Teses sobre o conceito da História»):
... apesar de ser uma categoria plenamente histórica, a origem [Ur-sprung, ou seja salto a partir de um começo] não tem nada em comum com a génese [Ent-stehung, ou seja: «sair de... e pôr-se de pé»]. 'Origem não designa o processo de devir de algo que nasceu, mas antes aquilo que emerge do processo de devir e desaparecer. A origem insere-se no fluxo do devir como um redemoinho que arrasta no seu movimento o material produzido no processo de génese.
O fragmento traz em si a nostalgia do todo de onde «saltou». A sua incompletude é ao mesmo tempo a razão do seu fascínio (pelo enigma do ausente) e o que lhe confere a sua enorme capacidade de apelo à imaginação. De facto, o fragmento é, por natureza, produtor de imagens mentais e abrigo da imagem sensível que, nas artes, não pode ser mais que fragmento, e sê-lo-á tanto mais quanto mais o seu princípio for o da intensidade sensível, e não tanto o da vontade de ser conceito, ou um todo discursivo. O fragmento é, assim, o estigma e o estímulo do puramente humano – a começar pela linguagem, que, apesar de todas as gramáticas, não passa de um enorme e caótico amontoado de material sígnico (é deste estado de fragmentação caótica, afinal não sistemático, que as artes da palavra extraem os maiores dividendos e a sua força criativa). No paraíso não há fragmentos (como os não há nas cabeças dos «sistemáticos»). Só entendemos e aceitamos o fragmento, só com ele convivemos tão bem, porque somos – no mito como na história – fragmento, coisa caída.
Paul Klee, Angelus Novus (1920)
O fragmento é tão essencial em Walter Benjamin – a ponto de constituir a forma por excelência da sua escrita – porque é a imagem da própria essência do humano, que ele sempre buscou. Nunca sem nostalgia de toda a espécie de «origens». O Messias que um dia entrará – provavelmente também às arrecuas – pela porta deixada entreaberta pelo Anjo da História será, finalmente, a única origem que não é fragmento.
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