18 março, 2007

SUDOESTE


Nasceu uma nova editora. Não uma editora qualquer, mas um projecto. Com a garantia de um editor dos mais experientes que temos, e que faz dos livros uma paixão: João Rodrigues. Com um nome – Sudoeste – cheio de ecos vivos, literários e outros. Com a presença prometida de autores de língua portuguesa. E com um lema emprestado por Vergílio Ferreira que abre essa promessa para espaços de luz. Muitos anos e bons livros para a Sudoeste!

O primeiro que me chega é um conjunto de contos de Teolinda Gersão, A Mulher Que Prendeu a Chuva.


A Teolinda, que sempre li com a sensação de estar a ler literatura, e não uma prosa qualquer (desde O Silêncio e Os Chapéus de Chuva Cintilantes), é uma autora de mundos interiores, e o conto, que pratica nos últimos anos, serve como uma luva, talvez ainda melhor do que o romance, a esses universos. Mundos de figuras deslizantes, meio desfocadas, nunca plenamente identificáveis, apesar de terem nomes e, nestes contos, experiências em lugares bem definidos. Com as personagens, deambula-se por lugares, mas não estamos a ler «literatura de viagem» – a viagem, independentemente dos espaços, é aqui quase sempre a de mulheres com uma interioridade enigmática. Como já antes, nos romances de Teolinda Gersão.
Também nos contos encontramos uma rede de vozes múltiplas, vindas de vários lugares (e já não tanto de um passado difuso atravessado por sombras de mulheres, como nos romances O Cavalo de Sol e A Casa da Cabeça de Cavalo). Mas continuam ainda a ser figuras de mulheres que gerem e orquestram o tempo, os tempos, como acontece, exemplarmente, no conto que dá título ao livro, ou no primeiro, «Cavalos nocturnos». Sempre nos livros de Teolinda Gersão o leitor foi levado, de forma imperceptível, para universos da imaginação e de uma certa magia do tempo, habilmente conduzido por uma arte das transições que se mantém no conto, apesar das regras mais estritas e da contenção do género. De cada situação precisa saltam mundos possíveis, mundos do como-se – como se imaginação e realidade fossem feitas de uma só matéria (a dos sonhos? a da lembrança?). A matéria de que se fazem as narrativas, dizia já uma página de A Casa da Cabeça de Cavalo, é sempre «um resto de memória». Antes, nos romances de Teolinda Gersão, esse resto transformava-se numa espécie de testamento; hoje, nos contos, chega-nos em momentos de revelação, epifanias profanas que se abrem a partir da experiência quotidiana transfigurada. Como convém ao seu registo literário.

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