02 dezembro, 2006


O ESPECTÁCULO DAS ALEGORIAS

A marca decisiva do drama do Barroco, que pela primeira vez Benjamin dá a ver de forma viva – e para essa vividez contribui largamente uma linguagem crítica de rigor filosófico que não teme a metáfora ou a imagem para suprir eventuais limites do conceito –, é a do espectáculo das alegorias: «a alegoria arrasta atrás de si (...) a sua própria corte». Num palco barroco, cheio de adereços que funcionam como ícones e como ímanes para a melancolia do príncipe, a alegoria é o centro figural e os emblemas gravitam à sua volta, iluminando-a de luz negra, sombras de cortesãos, satélites de uma «Corte confusa».


J. B., Diário para W.B.

Os emblemas barrocos são instrumentos de «violência» e penitência, adorando a figura alegórica maior, a facies hippocratica da História, a morte figurada na caveira. Caravaggio, sem ligações com o drama barroco alemão, representou-a dominando toda uma tela, acompanhada, como na alegoria benjaminiana, pelos instrumentos da escrita.


J. B., Diário para W.B.

O curioso é que o texto de Benjamin, e a linguagem plástica e imagética que o serve (e que consegue arredondar as arestas aos mais ásperos conceitos), remetem essas visões da morte para um limbo de prazer intelectual. Dá-se, assim, uma espécie de catarse do leitor, e a sublimação do próprio ensaísta. Quando Benjamin escreve que Calderón «distribui secretamente os traços de uma personagem pelas mil dobras de uma roupagem alegórica», dá a ver com nitidez os modos de «caracterização das personagens» no drama alegórico, sem se servir de um único conceito da teoria dramática tradicional.