AS MULHERES DA CHAUSHEVA (E EU)
ou:
O DESEJO – «IMÓVEL E EM PARTE ALGUMA, INSTÁVEL E EM TODA A PARTE»
Elas olham-me do écran do computador, mostram-se deitadas, dobradas sobre si mesmas, deixam ver mãos, pernas, o aflorar dos seios, rostos enigmáticos, belos, todos eles, a partir de fotografias que são quadros pintados e encenados, como um filme de Sokurov, recusas frontais, misteriosas e delicadas, do verismo fotográfico e dos risos alarves das selfies e da publicidade. Desfilando em sequência aleatória no meu screensaver, elas olham-me. Na verdade, quase nunca me olham. Voltam-me as costas, olham de lado, descortinam horizontes que eu não sonho, baixam os olhos.
No território do livro que é o meu, invadido pelas suas sombras, eu sou sombra maior, quase invisível, e elas, todas, o lugar do assombro. Mas eu estou sempre lá, entre elas, em fundo, reflexo que lhes devolve o olhar, ou que olha quem as olha. Como o pintor e o anão nas «Meninas» de Velásquez. Duplo voyeurismo, vários olhares cruzados. Mise-en-abyme de mim mesmo, abismado diante do mistério da beleza, de uma fascinante e quase insuportável leitura da alma feminina na atracção acetinada ou angulosa dos corpos.
E dou por mim a ler:
… o vestido entreaberto… a blusa a descer do ombro… o grito dos vermelhos… os lírios brancos de uma ausência… os envois a Magritte… os olhos baixos da melancolia… os corpos fortes, angulosos ou frágeis como as flores ao vento… os ambientes entre o decadente e o natural, o démodé e o requintado… os milénios nos olhares das mulheres… as sombras e o corte da fotografia… o toque sensual dos frutos no corpo nu…
O resto está no video que se segue: