WITTGENSTEIN:
S(W)INGING THE TRACTATUS
S(W)INGING THE TRACTATUS
As grandes obras do pensamento, da arte, da literatura, são tolerantes e abertas. Com elas pode-se fazer muita coisa, desde que as não reduzamos a um uso estreito, meramente «culinário», como dizia Brecht, que destas coisas sabia e fazia muito. O Tratado Lógico-Filosófico de Wittgenstein, publicado em 1921 depois de ter sido recusado por um júri da Universidade de Viena, é uma daquelas obras, hoje quase míticas, que viraram do avesso a tradição filosófica ao instituir um linguistic turn que haveria de ter enormes consequências e desenvolvimentos na filosofia e na linguística, na literatura e até na música, como adiante se verá. O ponto de partida de Wittgenstein foi um postulado tão simples e apodíctico como os do Tratado: «Toda a filosofia é crítica da linguagem».
O segundo momento revolucionário do Tratado é a sua própria forma de apresentação, em proposições e subproposições encadeadas, mas não necessariamente dependentes em termos de premissa e conclusão, como acontece noutros «Tratados» de estrutura semelhante, mas mais rígida (por exemplo a Ética de Espinosa, construída more geometrico, mas ainda assim permitindo múltiplas leituras e apropriações). As proposições do Tratado de Wittgenstein podem ler-se com uma autonomia relativa, como linhas e estrofes de um longo poema, numa sequência de imagens (de pensamento) rigorosas e cristalinas. A este propósito o autor escreve numa carta de 1919: «A obra é estritamente filosófica e ao mesmo tempo literária, mas não há nela qualquer devaneio.» E numa outra, do mesmo ano, esclarece que existe uma componente literária do Tratado que, no entanto «não está lá» (é o seu reverso «místico», ou o silêncio em que desagua a última proposição, soberanamente só e sempre citada: «Aquilo de que se não pode falar tem de se deixar em silêncio»).
Nesta segunda carta refere-se ainda outro aspecto central em Wittgenstein: se a forma do Tratado (próxima do aforismo ou do fragmento) é o seu lado estético, a consciência dos limites da linguagem nele expressa é a forma própria da sua ética. Ouçamos o que Wittgenstein escreve: «O sentido do livro é ético. – Queria incluir no prefácio uma frase que acabou por não ficar, mas que agora lhe escrevo, porque talvez lhe forneça uma chave. O que eu queria escrever era que esta minha obra consta de duas partes: aquela que aqui está, mais tudo aquilo que eu não escrevi. E precisamente esta segunda parte é que é importante... Em suma, creio que pus no meu livro tudo aquilo que muitos hoje dizem de forma fantasiosa, na medida em que silencio tudo isso...»
O segundo momento revolucionário do Tratado é a sua própria forma de apresentação, em proposições e subproposições encadeadas, mas não necessariamente dependentes em termos de premissa e conclusão, como acontece noutros «Tratados» de estrutura semelhante, mas mais rígida (por exemplo a Ética de Espinosa, construída more geometrico, mas ainda assim permitindo múltiplas leituras e apropriações). As proposições do Tratado de Wittgenstein podem ler-se com uma autonomia relativa, como linhas e estrofes de um longo poema, numa sequência de imagens (de pensamento) rigorosas e cristalinas. A este propósito o autor escreve numa carta de 1919: «A obra é estritamente filosófica e ao mesmo tempo literária, mas não há nela qualquer devaneio.» E numa outra, do mesmo ano, esclarece que existe uma componente literária do Tratado que, no entanto «não está lá» (é o seu reverso «místico», ou o silêncio em que desagua a última proposição, soberanamente só e sempre citada: «Aquilo de que se não pode falar tem de se deixar em silêncio»).
Nesta segunda carta refere-se ainda outro aspecto central em Wittgenstein: se a forma do Tratado (próxima do aforismo ou do fragmento) é o seu lado estético, a consciência dos limites da linguagem nele expressa é a forma própria da sua ética. Ouçamos o que Wittgenstein escreve: «O sentido do livro é ético. – Queria incluir no prefácio uma frase que acabou por não ficar, mas que agora lhe escrevo, porque talvez lhe forneça uma chave. O que eu queria escrever era que esta minha obra consta de duas partes: aquela que aqui está, mais tudo aquilo que eu não escrevi. E precisamente esta segunda parte é que é importante... Em suma, creio que pus no meu livro tudo aquilo que muitos hoje dizem de forma fantasiosa, na medida em que silencio tudo isso...»
Foram estas (e algumas mais) razões que um dia levaram um compositor finlandês, M. A. Numminen, a ordenar em songs algumas proposições-chave, pondo assim o Tratado de Wittgenstein a... cantar. A história remonta aos idos de sessenta, quando Numminen, ainda estudante, gravou as duas primeiras songs na cantina da universidade de Turku, apenas com um microfone e em estilo de falsete cultivado que se transformou no seu modo inconfundível de, num misto de seriedade e humor (que não é estranho ao próprio Wittgenstein), despertar o interesse para esta obra do filósofo.
Ficam aqui as primeiras três songs da «Tractatus-Suite», apresentada em versão completa em Estocolmo em 1988 e gravada em CD em 1989.
O texto, em inglês, é o das seguintes proposições do Tractatus:
Song 1: 1, 1.1, 1.11, 1.2, 1.21, 2, 2.01, 2.011, 2.012
Song 2: 2.1, 2.12, 2.141, 2.223, 2.224, 2.225, 3, 3.04, 3.32, 3.328
Song3: 4, 4.001, 4.002, 4.01, 4.022, 4.111, 4.115, 4.116, 4,1212
O texto português pode encontrar-se na tradução de M. S. Lourenço: Tratado Lógico-Filosófico e Investigações Filosóficas. Fundação C. Gulbenkian, 1987.
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