12 agosto, 2013

JAIME ROCHA: MICRO-LIVROS 
NO GRANDE PALCO DO MUNDO

Sairam recentemente mais dois poemas – não dois livros de poesia! – de Jaime Rocha: um na Averno, nascido de uma visita ao Vulcão dos Capelinhos, no Faial (O Vulcão, o Dorso Branco, Maio de 2013); o outro numa pequena editora da Nazaré, a Volta d' Mar (Mulher Inclinada com Cântaro, de finais de 2012). E, ainda a cheirar a tinta dos prelos, a tradução francesa de um dos livros da sua «Tetralogia da Assombração», como lhe chamou o autor, editada cá  pela Relógio d'Água (Zone de chasse, na colecção Méditerranées, da editora Al Manar, Julho de 2013).

Dizer que se trata de poemas (longos) e não de livros de poesia não é novidade quando se pensa nos quatro livros da referida Tetralogia – Os Que Vão Morrer, Zona de Caça, Lacrimatória e Necrophilia, sobre os quais tive oportunidade de escrever mais longamente ao prefaciar o último –, uma vez que também eles, tendo outro fôlego e outra estrutura, são poemas únicos, um poema contínuo.

No caso de O Vulcão..., estamos uma vez mais perante um «poema dramático» de um autor que, mesmo quando escreve poesia, nunca se perde na contemplação de si, distanciando antes o enunciado por meio do fluxo narrativo e das «encenação» de situações elementares no teatro do mundo, dos sexos, das origens perdidas e sempre recuperadas. Aqui, o vulcão suscita, qual voz portentosa vinda da caixa do ponto das suas entranhas invisíveis, as falas de homem e mulher. Tal como acontece na grande Tetralogia, onde esta tensão dramática também está presente: neste último poema, no diálogo entre o corpo da Mulher e o olhar do Homem, da Mulher que dá e do Homem que busca, ainda e sempre no grande cenário antropológico, filogenético, nem subjectivo nem social, da poesia de Jaime Rocha. E tudo, servido nas falas dos actantes («diz ela», «diz ele») por uma imagética lírica, vai dar ao lugar mítico de uma dor antiga – «até que o fogo nascesse de novo no fundo do oceano». Como sempre nesta poesia, o pretexto (pré-texto) é identificaável e até banal, mas o poema fala sempre e só das «últimas coisas» – afinal, sempre as primeiras, originárias e originantes: a dor e a morte, o sexo e o combate, a perda e a redenção.

Em Mulher Inclinada..., o poema, mesmo libertando-se do enquadramento mitopoético da Tertralogia, não se fica também pela superfície dos factos da experiência, pelo lado mais fácil do social – vai à raiz. E as figuras, mais próximas de nós, voltam no entanto a ser Mulher e Homem, a Mulher e o Homem, e falam como quem começou agora a balbuciar, de coisas de quem vem de uma origem e a partir dela fala. E os seus gestos são os dessas origens, gestos do corpo e gestos da alma, o choro e a postura de uma memória da perda perante a indiferença do mar, e o cão a querer morder as ondas... Os poemas, o poema, não falam de experiências – a não ser no sentido originãrio da palavra, o da travessia de risco de quem olha e escreve –, descrevem e assimilam um destino. E movimentos e figuras que se repetem ad aeternum: Homem e Mulher, e o mar e o Sol e o cão e a morte. E há aí prodígios como já os não há, coisas portentosas que vêm com a morte e prenunciam o fim do mundo. E afinal é apenas a «dor antiga» que chega de novo, a morte que faz valer os seus direitos e pede rituais (também já não há rituais, só festas, «animação»). Mas o ritual apazigua, e o poema pode fechar-se. O poema que, em Jaime Rocha, já o disse, é só um, cíclico, narrativo e dramático, recorrendo «a uma temporalidade sem tempo, mítica, arcaica ou arquetípica», numa encenação do «eterno retorno do mesmo no fluxo do tempo, a partir do ângulo antropológico do agir de figuras arquetípicas» (para citar do meu anterior prefácio), literalmente lançadas para o grande palco do mundo sob o olhar e a memória imemorial de um poeta que não diz «eu». E hoje há poucos capazes de silenciar o «eu».



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