12 junho, 2013

AS PEDRAS VIVAS DE TIBÃES



Quem chega ao Mosteiro de Tibães e entra pelo portão por onde em tempos devem ter passado carros de bois e caminhantes, apercebe-se imediatamente da presença viva das pedras que pisa. Das pedras mais humildes, as que estão em baixo e foram sendo pisadas por gente, por animais, pelos carros de bois que traziam mantimentos, o dízimo dos camponeses e toda a espécie de mercadorias. O corpo dessas lages traz as cicatrizes do tempo: superfícies alisadas por muitos pés, marcas dos rodados, covas onde hoje se junta a água das chuvas.



Mas as pedras de Tibães – as do chão, repito, e não as das torres, as da terra, e não as do céu – não são memória morta do passado, blocos inertes, espelho estático do tempo. As pedras de Tibães, em especial as do primeiro pátio (o «Jardim de S. João») são vivos que nos falam. Vivem de formas e de cores, estão nuas e vestidas de musgo, brilham com revérberos de prata, arqueiam-se ou retraem-se, bebem água, absorvem sol. Falam. Oferecem-se ao olhar que as quer e sabe ver, falam umas com as outras, iguais e diferentes como uma comunidade feliz, cantam laudas e matinas, adormecem depois do ofício de vésperas.




 As pedras de Tibães são um testemunho vivo da resistência ao tempo, às vicissitudes da História e aos poderes (des)humanos que anulam qualquer dimensão mais humana do tempo. Falam de uma escala da temporalidade que o actual sentido utilitarista do tempo não pode conhecer.


 As pedras de Tibães são um catálogo de afecções humanas, uma espécie de sinfonia da alma, do corpo e da mente para quem ali entra com os sentidos despertos.

Há pedras buriladas para servir de almofada ou de berço, ou talhadas para que outras e elas se encostem, ou entre as duas nasçam flores.


Há pedras que perdem a dureza, no brilho polido do tempo ou na macieza do musgo.


Há pedras pensadoras e pedras sonhadoras, mas o canteiro não conheceu a diferença – talhou-as ortogonais ou ovais, oitavadas ou redondas. Só o tempo lhes deu a face própria.


Há as pedras loquazes e as pedras mudas. As que falam dos pés que as acariciaram, dos que as espezinharam, e das rodas que lhes marcaram o corpo. E as que se exilaram para as margens silenciosas e discretas de pátios e claustros são talvez as mais belas, no seu discreto aceno a olhares mais atentos.



Também das pedras de Tibães alguém atento à vibração do vivo que se esconde até nos chamados inertes – Maria Gabriela Llansol – poderia ter dito: «Estas pedras (...) sabem que o real tem um reverso e uma face. Mas eu não sei como elas sabem que o reverso não é integralmente inacessível» (Finita).

(Fotografias de Vina Santos)

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