06 abril, 2007

... quem tem medo do pensamento

… Ulrich (…) amava a Matemática por causa daqueles que a detestavam. […]
Na ciência, as coisas passam-se de forma tão forte, despreocupada e gloriosa como nos contos de fadas. E Ulrich sentia que os homens simplesmente não sabiam disso, não faziam ideia das imensas possibilidades do pensamento; se fosse possível ensiná-los a pensar de outro modo, viveriam muito melhor.

(HsQ I, 11)



... os patriotas de todos os tempos e lugares

… a Cacânia, sem que o mundo ainda o soubesse, era o mais avançado de todos os Estados, o Estado que, por assim dizer, já mal podia acompanhar o seu próprio passo; nele, era-se negativamente livre, sempre com a consciência das razões insuficientes da existência própria e tocado pela grande visão do que não acontecera, ou do que não acontecera irrevogavelmente, banhado pelo bafo dos oceanos de onde saiu a humanidade.
Aconteceu, 'es ist passiert', dizia-se, quando noutros lugares toda a gente sentia que acontecera algo de extraordinário. Era uma maneira de dizer muito peculiar, única em alemão e nas outras línguas, uma expressão em cujo sopro os factos e os golpes do destino se tornavam tão leves como a penugem e os pensamentos. Apesar de tudo o que se possa dizer em contrário, talvez a Cacânia fosse, afinal, um país para os génios. E provavelmente foi isso que ditou o seu fim.

(HsQ I, 8)



... os apressados da vida

… se afinal são os futebolistas e os cavalos que têm génio, então só nos resta o uso que se lhe der para podermos salvar a nossa singularidade, razão pela qual [Ulrich] decidiu tirar férias da vida por um ano para descobrir qual o uso mais adequado que poderia fazer das suas capacidades.
(HsQ I, 13)



... homens e mulheres cheios de qualidades

… É um homem sem qualidades! (…) Sabe sempre o que tem de fazer, é capaz de fitar uma mulher nos olhos, quando quer sabe reflectir a sério sobre qualquer coisa, e pratica boxe. É talentoso, voluntarioso, sem preconceitos, corajoso, persistente, decidido, reflectido – não vou agora comprovar que ele tem todas estas qualidades, até pode tê-las, porque o facto é que não as tem. Foram elas que dele fizeram o que ele é, que ditaram o caminho que seguiu, e afinal não são qualidades que se lhe ajustem. Quando está zangado, há qualquer coisa que ri nele. Quando está triste, está a preparar qualquer coisa. Quando está comovido com qualquer coisa, rejeita-a. Descobre sempre algum lado bom para uma má acção. Só o possível contexto determinará o seu juízo sobre um facto. Para ele, nada é estável. Tudo está sujeito a mudança, é parte de um todo, de inúmeros todos que provavelmente são parte de um último todo de que, no entanto, não sabe nada. Assim, cada resposta que dá é apenas parcial, cada sentimento apenas um ponto de vista, e não lhe interessa nunca saber o que uma coisa é, o que busca é sempre algo de acessório, um «como», um ingrediente.
(HsQ I, 17)

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