09 março, 2007


DO BRASIL, VÁRIAS VOZES

Chega-me, através dos bons ofícios e da cordialidade de Manuel da Costa Pinto, jornalista que escreveu na Folha de S. Paulo uma crítica ao meu livro recentemente saído no Brasil (O Arco da Palavra. Ensaios, S. Paulo, Iluminuras, 2006), a fotobiografia comentada de Guimarães Rosa, número especial dos «Cadernos de Literatura Brasileira», comemorativa dos dez anos desta série, editada pelo Instituto Moreira Salles, de S. Paulo.



Como se diria no Brasil, nunca li «direito» Guimarães Rosa: fragmentos de Grande Sertão na quase impossível tradução alemã do meu amigo Curt Meyer-Clason e algumas histórias curtas que me trouxeram universos mágicos da grande natureza viva e falante. O belo volume da fotobiografia do grande escritor mineiro acrescenta muito a essa minha visão distante, e é acompanhado de vários textos, entre eles os de ensaístas que conheço, como Benedito Nunes (grande heideggeriano brasileiro) e Willi Bolle, um dos muitos conhecedores e divulgadores de Walter Benjamin no Brasil, que aqui enquadra Grande Sertão na tradição do «romance de formação», o Bildungsroman goethiano.



Manuel da Costa Pinto é, com Eduardo Sterzi e outros, um dos editores da excelente revista K - Jornal de Crítica, uma daquelas publicações em que todo o espaço é dado ao pensamento crítico, um jornal de cultura a sério como já os não há em Portugal. A nossa miséria cultural salta à vista no simples facto de já não existirem suplementos nem revistas com lugar para o pensamento. A «K» publicou até agora oito números, e o próximo, a sair este mês, será um número especial sobre Walter Benjamin e as Passagens (recentemente editadas no Brasil). É um exemplo invejável do dinamismo cultural de um país de contradições vivas, mas produtivas, que a actual banalidade furtacores da imprensa escrita em Portugal desconhece.



Voltando à fotobiografia de Guimarães Rosa: o livro traz um caderno intitulado «Guimarães Rosa na Alemanha», através do qual me sinto também ligado a ele pelos laços do acaso. Quando eu nasci era Guimarães Rosa cônsul-adjunto do Brasil em Hamburgo, nos anos dramáticos de 1938 a 1942. Também eu, mais tarde, vivi anos em Hamburgo. A Guimarães Rosa foi a guerra que o levou de regresso ao Brasil e ao sertão. A mim, trouxe-me de volta a Portugal o começo do desencanto da «revolução estudantil» ao abrir a década de setenta. Pouco depois viveria em Portugal uma outra revolução (ou o que parecia sê-lo), essa não apenas estudantil.


A lógica da História (que, como se sabe, não existe), levar-nos-ia a dizer que é daí, desse simulacro de revolução, que vem o que hoje somos neste país. Mas isso é um erro grosseiro. O que hoje somos tem as marcas cada vez mais claras do que éramos antes desse fogo de palha, e daquilo que de nós fez o mundo globalizado que nos governa.
Mas não vamos cair no lamento nem na nostalgia. Outros dias virão, como têm de vir. As épocas finais, de decadência, como a que vivemos no plano das ideias, anunciam viragens inevitáveis, transformações inadiáveis. E por outro lado, tudo o que é intenso vive para a morte. Diferentes embora na vivência do tempo que implicam, decadência e revolução são como os orgasmos: não os há eternos.

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